Tempos de Intolerância*
Inquieto. É assim que, como cidadão e operador do Direito, me sinto ao observar a aspereza, o modo duro com que vários cidadãos e, pior, alguns agentes do Estado, se comportam ao se depararem com algum possível erro de alguém.
Percebo que os fatos, ainda que no início da notícia destes, ainda que não provados, são recebidos, sempre, com um olhar de julgamento e condenação, assim, de primeira. Sem chance.
Uma postura de ferro para os eventuais tropeços do Homem, que é barro. (Genesis, 2;7)
Uma longa fila, onde todos se apresentam como defensores convictos de que, para a crítica ou o combate ao possível erro, vale tudo. Todos firmes na visão míope de que “os fins justificam os meios”.
Se for algo que envolva alguma acusação criminal então, e seu possível executor, tais pessoas mostram-se como “sistemáticos defensores da tese da masmorra imediata e irrestrita”.
E é uma pena.
A democracia não é um vale-tudo. O Estado de Direito impõe limites. Se o Estado, ao combater o crime, tiver de recorrer, ele mesmo, ao crime, que superioridade ética o irá distinguir do criminoso?
Ser Estado e ser Cidadão há de ser algo maior do que isso.
É complicado. Numa sociedade que tem o ouvido e a vista empanados de som e imagens (radio, tv, jornal, etc) pregando que “todo acusado é culpado”, que “bandido bom é bandido morto”, fica mesmo difícil de continuar estas linhas. Para quem? Quem as lerá se não para critica-las? Quantos ainda restam que não foram envenenados pelos ares infestados de intolerância?
Não sei. E não desistirei. Este é o meu credo.
Direi, e estou dizendo, em voz alta, que as garantias do cidadão, os princípios que dão fundamento à cidadania, tais como Presunção de Inocência, Liberdade de Expressão, etc, não podem ceder ao primeiro gemido de alguém que, aqui ou ali, tenha sido vitimado por outrem.
É preciso que se entenda, vez por todas, que os nosso direitos, os do leitor (a) e os meus, devem ser assentados no pilar de que o Homem é, sem dúvida alguma, um ser frágil e pecador, cujos direitos e garantias não devem ser sacrificados no “ altar do combate à criminalidade”, não podem ser quebrados sob o fácil argumento de que “ os fins justificam os meios”.
Não. Acredito que o Estado e seus agentes públicos, deve mais a nós cidadãos do que um Estado- penal onde a cadeia acaba sendo convertida no analgésico de nossas tantas insatisfações.
Definitivamente, o Estado nos deve mais do que isso.
Como, ao termino destas linhas, também ouso entender que nós, como humanos, estamos, também devendo a nós mesmos o básico, o elementar, a nossa raiz primaria: Estamos a nos dever, a nós próprios, a nossa HUMANIDADE.
*Renato de Oliveira Furtado – Advogado
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As palavras do Dr. Renato são pontuais e refletem bem o momento atual que vivemos. Vivemos um período e falta de humanidade que se reflete também na mídia, com crimes atrozes e violência gratuita. Que nós, mudemos esse tempo! Resta a nós dar a parcela de contribuição para que esse quadro mude. Sob pena de nos jogarmos em um abismo cujo o fundo não gostaríamos de pagar o preço para conhecê-lo…
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