Planurense Maicon fica no São Paulo e mira Seleção Brasileira
Maicon é beque de fazenda, mas literalmente, e não naquilo que o termo do glossário popular do futebol implica. Cresceu na pequena Planura, em Minas Gerais, na fazenda em que os pais Maurides e Nilva trabalhavam para economizar e investir o pouco que sobrava em passagens de ônibus para que os filhos fizessem testes em busca do sonho de jogar futebol profissionalmente. Da ajuda à mãe na roça aos treinos caseiros com o pai, lapidou-se o zagueiro que não gosta de selfie e por quem o São Paulo resolveu investir R$ 22 milhões nessa última semana.
Nunca na história o São Paulo investiu tão alto por um jogador como faz com Maicon, por quem ainda cedeu direitos do zagueiro Lucão e do lateral Inácio ao Porto. Em pouco mais de quatro meses emprestado, o beque mostrou que não é de fazenda e convenceu a diretoria a contratá-lo principalmente pela liderança: conquistou técnico, elenco e torcida, e virou capitão.
Na sexta-feira, um dia depois de firmar o novo contrato com o São Paulo, Maicon atendeu o UOL Esporte para uma entrevista exclusiva no CT da Barra Funda, às vésperas da semifinal da Copa Libertadores, taça que ele poderá levantar pela quarta vez na história do clube depois de Raí e Rogério Ceni. Falou das convicções que tem, de levar o comprometimento acima de tudo, de não gostar de “conversinha” e nem de sorrisos dentro e fora de campo, e do prazer em ser líder. Falou da infância e da influência da família, fundamental para que ele ficasse no Morumbi, e diz que coloca a seleção brasileira entre seus objetivos a partir de agora.
UOL Esporte: O que representa para você ser o maior investimento da história do São Paulo?
Maicon: Para mim, eu fico muito feliz. A fé que tiveram em mim, depositaram total confiança no meu trabalho. É claro que também fiz por merecer, tenho trabalhado bastante. Acredito que ainda posso dar muito para o clube, espero que o investimento em pouco tempo seja recompensado com títulos. O que eu prometo tanto ao torcedor como à diretoria do São Paulo é que, da minha parte, eles vão ter bastante empenho e dedicação. Fico feliz por ser a maior contratação do São Paulo e espero que num futuro bem próximo eles vejam que o que fizeram foi um contrato muito positivo tanto para mim como para o clube.
Vejo que posso crescer ainda mais. Em níveis físicos posso evoluir um pouco mais. Se eu atingir o nível que estava no Porto há um ano atrás acho que posso dar ainda mais alegrias à torcida do São Paulo, vou procurar fazer isso ao máximo. Eu venho de um lesão que às vezes fica com uma fibrose, dói um pouco, mas não é nada que me prejudique, eu ainda consigo jogar 100% todos os jogos.
Você cobra faltas, dá passes longos, sai jogando com técnica, mas em muitos momentos também dá chegadas mais duras e encara adversários. Zagueiro precisa fazer cara feia, cara de mau?
Com certeza. Não só a cara de mau, porque a cara de mau é estar concentrado. Você tem que estar concentrado no seu dever. Não dá para ficar de sorrisinho para o adversário, eu procuro respeitar totalmente meu oponente, não gosto muito de ficar com conversinha de jogo, com fala aqui, fala aqui, procuro falar o menos possível para estar mais focado. Quando é para dar chutão, tento dar chutão, mas a todo momento tento sair jogando com a bola, porque eu saindo com qualidade, dando passe para Ganso ou Hudson, é positivo. Quando não dá, é jogar feio. Procuro ser ali atrás o mais certo possível, não facilitar, tenho que passar o máximo de confiança para os meus companheiros. Procuro não errar para não desacreditar no meu potencial. Procuro fazer o básico, às vezes um corte aqui, um drible ali, mas não errar, sair jogando de maneira controlada e equilibrada.
Dentre todas as críticas sofridas pela seleção do 7 a 1, uma delas foi sobre isso, sobre a postura popstar, com muitos sorrisos e conversas que não transmitiam a concentração que você cita. David Luiz foi quem mais conviveu com essa crítica. Acha que o comportamento assim pode mesmo atrapalhar?
Eu não posso responder por eles porque cada um tem sua maneira de reagir. Um jogador sorri, outro não gosta, outro gosta de conversar. Acho que você tem que ter compromisso. A partir do momento que você tem compromisso com as coisas facilita bastante. Independentemente se o jogador gosta de sorrir, gosta de selfie com carinha de bonzinho, se gosta de conversar durante o jogo… tem que ter compromisso com a equipe.
E você não gosta de selfie com carinha de bonzinho…
Não, eu não gosto de ficar de conversinha, é meu estilo. Claro que a gente procura respeitar o adversário ao máximo, mas eu gosto de fazer meu trabalho calado. Simples e eficaz.
Quais os momentos do futebol te dão mais prazer?
Quando você dá um carrinho, quando você desarma, quando você faz seu papel bem feito. Naquele momento em que você sai do campo e vê que fez um trabalho certo, sem dúvida nenhuma é o principal motivo que nos deixa feliz.
Você se vê em nível de seleção brasileira? Ainda sonha com isso?
É claro que quando você vê uma seleção brasileira sendo eliminada na primeira fase de uma competição tão importante é chato. É claro que a gente não está aqui para criticar ninguém, só apoiar. Eu tenho feito meu trabalho no São Paulo, um bom trabalho, vejo que posso crescer ainda mais, e com certeza sim a seleção brasileira passa pelos meus objetivos. Tenho que crescer muito junto com o São Paulo, e acredito que a gente possa conseguir esse objetivo.
No fim do ano passado o presidente Carlos Augusto de Barros e Silva falou, depois da derrota por 6 a 1 para o Corinthians, que nem todos os jogadores estavam comprometidos com o São Paulo. Hoje nós vemos um sentimento e um discurso totalmente diferente e, segundo a diretoria, você foi quem mais contribuiu para criar um empenho coletivo. Você viu evolução no espírito de equipe de fevereiro até aqui?
Com certeza. Se você pegar a equipe do São Paulo de seis meses ou um ano atrás, no meu ponto de vista aquela equipe era bastante superior em termos de nome à equipe que temos hoje. Então não vou dizer que aquela equipe não tinha compromisso, porque eu não conhecia, mas posso dizer que essa equipe de hoje tem bastante compromisso e é amadurecida. É uma equipe que sofreu muito com o início de Libertadores ruim, começou mal, e isso fez com que a equipe tivesse ainda mais compromisso com o clube. Você não vê atletas na reserva falando mal na imprensa. É um grupo unido, com um simples objetivo de ser campeão. Quando a equipe está unida e todo mundo está focado isso é o essencial.
Edgardo Bauza diz que o São Paulo tem diferentes líderes: um no treino, um no vestiário, um no jogo e um técnico. Como isso se divide entre você, Lugano, Hudson e Ganso, e como vocês comandam o elenco?
A gente procura passar um pouco de experiência e também escutar os companheiros. A gente não é líder para mandar, a gente tem que ser líder para acrescentar no grupo. O Lugano, com sua experiência, tenta nos ajudar ali atrás. Eu tento ajudar o Rodrigo Caio, ele também tenta me ajudar. A gente tem que ter um diálogo para que todos entrem e persigam o mesmo caminho. A liderança tem que ser de amizade, de ter respeito e respeitar o companheiro. Dar e receber. Essa é a grande diferença dos líderes que o São Paulo tem. O Hudson é um cara que tem bastante comprometimento com os companheiros, o Lugano também, o próprio Denis, o Michel, o Ganso…
Há pouco tempo, em um treino, você tirou o Matheus Reis para uma aula particular de marcação e ele se mostrou muito interessado em aprender. Isso faz parte do papel que você gosta de exercer como líder?
Eu tive um treinador, Jesualdo Ferreira, no primeiro ano em Portugal, que me ensinou tudo. Eu agradeço muito a ele, metade do que eu sou eu devo a ele. Ele me ensinou posicionamento, a maneira que devo me colocar. Então eu tento ajudar meus companheiros, assim como dei umas dicas para o Matheus, ele já deu dicas para mim. Rodrigo já me ajudou em posicionamento, em escanteio. Essa é a grande virtude que a gente pode ter, de dar opinião: “Matheus, o que você acha de você marcar assim?” A partir do momento que há o respeito, você tem que saber ouvir. Às vezes eu ouço de quem tem cinco ou seis anos a menos que eu e sempre tem coisa para acrescentar.
A diretoria tem muita esperança no potencial do Lyanco, 19, seu companheiro de posição e quer que você seja o tutor dele no desenvolvimento dentro e fora de campo. Como você pretende assumir essa tarefa?
É um jogador jovem, jogador bastante promissor, talento bastante grande. É um jogador que se ouvir e souber escutar tem tudo para chegar num nível não só de São Paulo, mas ainda mais elevado. Jogador que tem bastante para crescer, que tem que ser bastante lapidado. Tenho certeza que não só eu, como Lugano, Rodrigo Caio e o professor Bauza, que foi um grande zagueiro, podem ajuda-lo.
Hoje vemos você como um jogador que se consagrou em Portugal e que, aos 27 anos, virou um dos mais caros do futebol brasileiro. Na sua infância tudo isso foi muito diferente…
Foi uma infância… não vou dizer bastante sofrida porque nunca nos faltou nada, para mim e para meus irmãos, mas foi aquela infância que tinha tudo contadinho, tudo certinho. Por exemplo, para eu fazer um teste minha mãe tinha que guardar dinheiro por três ou quatro meses para juntar R$ 100 para me comprar uma passagem de ônibus. Às vezes tinha que pedir um patrocínio para a prefeitura para me ajudar com a locomoção. Foi uma infância bastante sofrida no ponto de vista de eu sair da minha cidade. Na minha cidade nunca me faltou nada, meus pais não deixaram faltar. Foi bastante sofrido. No começo da infância eu ia para a roça com a minha mãe, meu pai era motorista de ônibus e às vezes eu ia com ele também. Mas eu sempre tive o objetivo maior de ser jogador de futebol, e meu pai sempre me treinou, me ensinou a chutar com a direita, chutar com a esquerda, me ensinou a cabecear. O grande objetivo do meu pai era que os filhos dele se tornassem jogadores de futebol, então eu fui preparado para que isso acontecesse. Não vou dizer que fui bem preparado, mas meu pai me preparou para que um dia eu pudesse chegar onde cheguei, e hoje a gente olha para trás e vê que aquele trabalho foi benéfico, não só para mim, mas para os meus irmãos.
Depois de sete anos no Porto, você viveu quatro meses de São Paulo e teve que decidir a vida. O que aconteceu nesses quatro meses que te fizeram ter convicção de que ficar seria a decisão correta?
Eu tive sete anos no Porto de bastantes glórias, bastantes títulos e títulos individuais também. Agradeço ao Porto de coração por ter aberto as portas para mim no futebol europeu. Isso já é passado na minha vida, agora represento o São Paulo. A partir do momento que cheguei ao São Paulo e coloquei a camisa, já me identifiquei com o clube. Fui muito bem recebido, em questão de um mês, quinze dias, já tinha um carinho um pouco maior pela torcida e pelos companheiros que me receberam muito bem. Minha família, minha esposa, foram muito bem recebidos. Isso também foi uma das coisas fundamentais para que eu pudesse aceitar o convite da renovação. Em momento algum hesitei, mesmo nas entrevistas que dei com 10 ou 15 dias eu falei que queria ficar no Brasil e no São Paulo.
Você cita a família. Você foi para Portugal aos 19 anos e passou oito anos lá. Pesou na decisão de ficar no São Paulo o fato de poder estar mais perto dos seus pais no Brasil?
Com certeza. Estar perto da minha família, dos meus pais, dos meus sogros e dos meus primos foi uma das coisas fundamentais para que eu quisesse ficar no Brasil. Vivi oito anos em Portugal, via meus pais às vezes a cada um ou dois anos. Isso prejudica um pouco. Tenho meus filhos e eles queriam ter contato com os avós.
Seus pais vivem em Minas Gerais, você diz que os via com pouca frequência quando estava em Portugal. Como era a relação e como isso muda agora?
Intercalava um pouco, às vezes eu vinha, outras vezes eles iam para lá. Se não me engano passei dois finais de ano no Brasil em oito anos, com meus pais, pelo calendário, que não deixava. No momento que eu vim para cá a cada 15 dias ou um mês minha mãe estava em casa, depois ela ia embora e vinha meu pai, então isso nos deixa alegre. Meus pais não estão velhos, morrendo, mas têm uma idade bastante avançada e passei oito anos com pouco contato com meus familiares. Essa vinda para o Brasil me aproximou dos meus pais, dos meus sogros e isso me ajudou bastante na decisão final.
O que seus pais disseram que você deveria fazer quando recebeu a proposta do São Paulo?
Quando falei para minha mãe que viria para o Brasil ela ficou bastante feliz. Meu pai falou: “Vem, meu filho, vem para cá que me sonho é te ver num grande clube do Brasil”. Meu pai foi muito bem recebido também, principalmente aqui no CT, porque ele acompanha muito os treinos. Minha esposa também, quis muito vir, ela adora a cidade, e isso tudo pesou.
Há cerca de dois meses o Corinthians teve interesse na sua contratação quando começou a negociar o Felipe com o Porto. Enquanto isso, o São Paulo trabalhou para impedir que você se transferisse para o maior rival. Como isso chegou para você?
Na verdade, para mim não chegou nada concreto. Foram algumas especulações que vi pela própria imprensa, algumas pessoas do São Paulo que vieram me perguntar: “Você não vai para o Corinthians, né?” Em momento algum eu pensei em deixar o São Paulo para qualquer clube brasileiro e principalmente para o maior rival do São Paulo. Em momento algum. Se viesse falar comigo eu estaria totalmente focado aqui. Eu não abri espaço para qualquer equipe do Brasil tentar minha contratação e foi isso que acabou acontecendo.
Fonte: http://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2016/07/02/maicon-exclusivo-zagueiro-de-r-22-mi-nao-gosta-de-selfie-e-quer-selecao.htm